Aristóteles propõe a independência da poesia (lírica, épica e dramática) em relação à política; observamos que, não obstante suas afirmações, Aristóteles constrói o primeiro sistema poderosíssimo poético-político de intimidação do espectador, de eliminação das “más” tendências ou tendências “ilegais” do público espectador. Este sistema é amplamente utilizado até o dia de hoje, não somente no teatro convencional como também nos dramalhões em série da TV e nos filmes de far west: cinema , teatro e TV, aristotelicamente unidos para reprimir o povo.
Felizmente, o teatro aristotélico não é a única maneira de se fazer teatro.
COMO FUNCIONA O SISTEMA TRÁGICO COERCITIVO DE ARISTÓTELES
PRIMEIRA ETAPA – Estímulo da harmatia; o personagem segue o caminho ascendente para a felicidade, acompanhado empaticamente pelo espectador.
Surge um ponto de reversão: o personagem e o espectador iniciam o caminho inverso da felicidade à própria desgraça. Queda do herói.
SEGUNDA ETAPA – O personagem reconhece seu erro: ANAGNORISIS. Através da relação empática dianóia-razão, o espectador reconhece seu próprio erro, sua própria harmatia , sua própria falha anticonstitucional.
TERCEIRA ETAPA – CATÁSTROFE: O personagem sofre as conseqüências do seu erro, de forma violenta, com sua própria morte ou a morte de seres que lhe são queridos.
CATARSE – o espectador, aterrorizado pelo espetáculo da catástrofe, se purifica de sua harmatia.
Atribui-se a Aristóteles a seguinte frase: Amicus Plato, Sed Magis Amicus Verita (“Sou amigo de Platão, mas mais amigo da verdade”). Nisto estamos totalmente de acordo com Aristóteles: somos amigos, mas muito mais amigos da verdade. Ele nos diz que a poesia, a tragédia, o teatro, não tem nada a ver com a Política. Mas a realidade nos diz outra coisa.
Sua própria Poética nos diz outra coisa. Temos que ser muito mais amigos da verdade: todas as atividades do homem, incluindo-se evidentemente todas as artes, especialmente o teatro, são políticas. E o teatro é a forma artística mais perfeita de coerção. Que o diga Aristóteles.
O sistema trágico coercitivo de Aristóteles sobrevive até hoje graças à sua imensa eficácia. É efetivamente um poderoso sistema intimidatório. A estrutura do sistema pode variar de mil formas, fazendo com que seja às vezes difícil de descobrir todos os elementos de sua estrutura, mas o sistema estará aí, realizando sua tarefa básica: a purgação de todos os elementos anti-sociais.
Justamente por essa razão, o Sistema não pode ser utilizado por grupos revolucionários durante os períodos revolucionários. Quer dizer: enquanto o ethos social não está claramente definido, não se pode usar o esquema trágico pela simples razão de que o ethos do personagem não encontrará um ethos social claro ao qual enfrenta-se.
(Texto livremente resumido do “Teatro do oprimido” de Augusto Boal)
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